Em 10 de Dezembro de 1913, sobre o gelo russo, um gigantesco avião deslizou sobre esquis e elevou-se no ar provando que era possível ir além de teco tecos para dois lugares. Isto iria dar no desenvolvimento desenfreado da aviação comercial. E apenas 56 anos depois daquele teste nos campos gelados da Rússia, o mundo via o supersônico Concorde decolar. Este pequeno intervalo de tempo entre os testes do Sikorsky Ilya Muromets e o voo de testes do Concorde em 1969 dão uma dimensão da importância do desenvolvimento de uma aeronave para 5 toneladas, cem anos atrás. Embora tivesse feito alguns voo de testes no ano de 1913, foi em 1914 que a aeronave se apresentou oficialmente ao público. E até metade de 14, Sikorsky fazia diversas apresentações impressionantes, quebrando recordes aeronáuticos, até que... veio a guerra.
Representação em 3D do Ilya Muromets. O nome foi dado em homenagem a um herói russo |
Foi na guerra que o Muromets se mostrou uma máquina essencial. No meio do ano de 1914 a Primeira Grande Guerra eclodiu. Isto mudaria os rumos do desenvolvimento da aeronave de Sikorsky, que após o voo de teste no finalzinho de 1913, havia estreado para o público em Fevereiro de 14 em um bem sucedido voo com 16 pessoas a bordo de sua luxuosa (para a época) cabine de passageiros. Um mês antes da guerra ter início, a aeronave bateria recordes absolutos em outro voo de demonstração, fazendo ida e volta entre Kiev e São Petesburgo (distantes 1200 quilômetros) levando uma média de 13 horas e meia em cada trajeto. Mas a guerra surgiu e a Força Aérea Imperial Russa, recém nascida (assim como praticamente todas as forças aéreas no globo), viu potencial no gigante de Sikorsky como arma de guerra. No ano seguinte, o Ilya Muromets, já adaptado para bombardeiro, despejava uma carga de bombas sobre uma estação de trens alemã, fulminando totalmente o alvo e estabelecendo definitivamente a corrida por aeronaves de grande porte para dar suporte à guerra que consumia a Europa.
Mas sem as inovações obtidas no projeto do Ilya Muromets, muita coisa seria difícil de ser feita.
O Peso
5 toneladas, apenas isto, era um desafio enorme para motores de teco tecos do início do século. O Muromets precisava erguer-se do solo levando pouco mais de 10 pessoas a bordo. Essa era a ideia inicial de Igor Sikorsky. Mas se ele seguisse a forma tradicional de construir aviões em 1913 jamais conseguiria abrigar tantos passageiros a bordo do Muromets, simplesmente poque nenhum motor na época era capaz de acelerar, muito menos manter o trambolho no ar. A solução para a primeira barreira parecia simples: colocar mais de um motor no avião.
Pois é, parecia simples, mas as aparências, todos sabemos, enganam. O desenho tradicional de aeronaves trazia hélices, impulsionadas por motores, no plano central. Geralmente à frente da fuselagem. Por mais larga que fosse, era inviável construir uma fuselagem pra abrigar mais de um motor, lado a lado (e o Muromets precisaria de 4 motores pra voar). Alargar a fuselagem até que coubesse todos os motores na parte central dela jamais deveria ter passado pela cabeça de Sikorsky. Contudo, nas asas havia um bom espaço para motores. Ainda mais as amplas asas de uma aeronave gigantesca como o Muromets. Porém, não subestime a complexidade em se colocar motores em asas se estiver em 1913. Anos antes a ideia já havia sido até testada. Em 1911, outro russo chamado Lytskii chegou a fazer um multimotor voar. Porém, a aeronave de Lytskii era complicada demais e o teste não foi tão bem sucedido como se esperava. Igor, no entanto, foi persistente no objetivo, embora muitos tentassem provar que nenhuma aeronave com mais de um motor em suas asas fosse viável.
Motores e Direção
A sincronia entre os motores era importante para um bom voo. O maior problema ocorreria se alguns dos 4 motores necessários para tirar o Muromets do chão e mantê-lo no ar falhassem. Com motores funcionando apenas de um dos lados, o avião poderia girar descontroladamente, causando um desastre. E, pode crer, falhas em motores em 1913 era coisa bem normal de acontecer. O projetista Igor Sikorsky pensou bastante e notou que posicionando os motores o mais próximo possível da fuselagem, na parte central da aeronave, evitaria o forte desequilíbrio causado pelo empuxo de motores que funcionassem em apenas uma das asas. A situação podia ser amenizada com esta solução, mas não completamente neutralizada. Ainda assim a aeronave corria sério risco de perda total de controle caso perdesse força em motores de um dos lados. E é ai que lemes de direção passam a ganhar importância como nunca tiveram antes do Muromets. Primeiro o leme principal teve que ser aumentado, bastante, se comparado com aeronaves da época. Depois o Igor, só pra se garantir, ainda enfiou mais duas aletas móveis (uma de cada lado do leme) na cauda do Muromets, que serviriam para compensar o desequilíbrio de empuxo apenas em um dos lados, permitindo ao piloto corrigir a trajetória do avião em caso de pane.
De quebra, o Muromets se tornou infinitamente mais seguro do que qualquer outro avião de sua época, pois podia passar por 3 quebras de motores em pleno voo e ainda teria um para mantê-lo no ar. Os lemes direcionais, anabolizados, garantiam a estabilidade do voo e mantinham a aeronave controlável mesmo nestes casos.
Até os dias de hoje, as soluções encontradas pelo projetista russo Igor Sikorsky são vistas em aeronaves de última geração. Observe como os motores ficam posicionados nas asas sempre próximos à fuselagem em qualquer bimotor, ou multimotor. O 'leme' das aeronaves atuais são enormes, elevando em vários metros a cauda. Todas estas inovações foram apresentadas ao público em Fevereiro de 1914, há cem anos atrás.
Como visto nos destaques, em um avião moderno a posição dos motores e a importância do leme direcional obedecem a mesma lógica percebida por Igor Sikorsky ao projetar o Muromets.
Texto e pesquisa: William Santos
Imagens disponibilizadas em domínios públicos, editadas e tradas para o artigo.
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