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O Lendário Circuito Oval de Monza

Escrito por William Santos | sábado, 26 de janeiro de 2013 | 16:28

Houve uma época em que quebrar recordes de velocidade era muito fascinante. E, por isso, muitos circuitos tinham pistas projetadas para permitir que os carros acelerassem, acelerassem mais ainda e continuassem acelerando até a última gota de combustível no tanque se fosse necessário. Estas pistas tinham traçado quase elíptico e, nas extremidades, curvas com inclinações brutais mantinham os bólidos grudados em seu piso enquanto desenvolviam velocidades máximas. É verdade que este tipo de traçado ainda existe hoje em dia, e muitas categorias correm nelas. Mas você já deve ter percebido o quanto é chato olhar um monte de carros dando centenas de voltas em circuitos ovais. Talvez seja interessante sentir de perto a velocidade estando na arquibancada do circuito, mas pela TV é um saco.

Os circuitos ovais foram perdendo espaço para os circuitos mistos à medida em que a busca por recordes de velocidade no solo deixou de ser uma das principais atrações nos eventos e o foco em segurança foi se definindo como extremamente importante. Ver carros acelerando infinitamente passou a ser tão normal quanto chato. Então a graça numa corrida passou a se voltar às manobras, sobretudo de ultrapassagem, e ao suspense sobre quem tem a melhor estratégia pra vencer. Ultrapassagens com emoção só encontramos em circuitos mistos, me desculpem os norte americanos e suas categorias caipiras fazendo centenas de voltas em ovais. Além disto é difícil oferecer segurança em circuitos onde o acelerador de máquinas com mais de mil cavalos está o tempo todo colado no assoalho.

Um dos circuitos mais tradicionais do universo está na Itália, chama-se Monza, e detém o título de um dos templos sagrados da velocidade. Monza não é só um circuito histórico, ele também está entre os mais rápidos, mesmo em seu traçado misto. Porém, o velho Monza esconde entorno de seu lendário circuito algumas relíquias da época em que o público se amontoava para ver calhambeques com motores esguelando-se no limite e atingindo velocidades impensáveis, para a primeira metade do século passado. Devia ser um barato ver aquelas máquinas meio desajeitadas passando a uns cento e tantos quilômetros por hora. Aliás, ver automóveis já devia ser bem legal. Correndo em uma pista insana então...

Monza nasceu para isto: Derrubar qualquer limite que impedisse acelerar ao infinito. E se manteve assim ao longo de quase um século, sendo ainda um circuito impressionante pela velocidade que se atinge entre suas retas chicanes e algumas curvas. Mas ao longo de tantas décadas, Monza mudou ficou maduro, responsável e seguro. Não deixou de ser divertido, mas nada que se compare à sua infância. Dela, o circuito preservou sua reta principal. Ali era um trecho do oval de Monza, que lançava as jabiracas velozes numa curva à direita lá por trás das arquibancadas de onde hoje fica a primeira chicane. Dali em diante os calhambeques seguiam por inclinações impressionantes, de pé embaixo, para cruzar sobre o atual circuito misto, num viaduto que ainda está no mesmo lugar e retornar por outra reta na outra extremidade, que iria desembocar na entrada da reta principal, através da segunda grande curva, com o mesmo raio da primeira, coincidindo com a curva hoje conhecida como "parabólica" numa fusão já no início da reta dos boxes novamente.

Quem assiste as corridas hoje, ou quem acostumou a assistir de uns 20 anos pra cá, talvez nem desconfie que Monza esconda um circuito oval tão incrível. Mas ele está lá, abandonado entre as árvores do parque ao redor do circuito misto. Alguns trechos são visíveis, como o viaduto sobre a pista, usado para estampar placas de publicidade, e uma pontinha do oval aparece quando vemos imagens de carros saindo da parabólica, em tomadas de frente. Ele está tão esquecido e tão escondido que para uma geração inteira nunca existiu.

Porém, suas curvas inclinadas, em formato parabólico, ainda resistem ao tempo em meio ao mato. As linhas de guard rail permanecem firmemente fixadas nas laterais, um tanto enferrujadas, é verdade, mas estão todos eles ali, congelados no tempo. Em algumas partes, nos curvões, o mato começa a invadir o asfalto que resta. Na reta oposta não há mais asfalto, apenas uma trilha na mata preserva o velho traçado. O circuito oval do autódromo de Monza repousa no parque como uma relíquia de outros tempos. Suas curvas ainda impressionam pela inclinação e exibem a face oculta do templo da velocidade.

De Janeiro de 1922, quando começaram a construção do autódromo, até as últimas corridas no circuito oval, grandes nomes do automobilismo rasgaram o asfalto naquelas curvas. Uma pista que antecedeu a tudo o que temos hoje no esporte a motor. Para se ter uma ideia, a Formula 1 só viria a aparecer em 1950, 28 anos depois do início da construção do Autódromo de Monza. Já em seu primeiro ano a categoria máxima do automobilismo teve uma de suas etapas disputadas no circuito oval, por onde correu por mais de dez anos, até que um dos acidentes mais trágicos da história do automobilismo, e o pior na história da Formula 1, ceifou a vida de 14 espectadores e do piloto alemão Wolfgang Von Trips em 1961. O desastre levou a Formula 1 a abandonar o traçado oval pela grande velocidade que os carros atingiam ali, tornando qualquer acidente potencialmente fatal.

Mas o oval de Monza continuou ativo por algumas décadas, usado por outras categorias. Em 1966 ele foi cenário para o clássico Gran Prix, filme que conta o drama de um piloto de Formula 1 após um grave acidente em Mônaco, vencedor de dois Oscar em 1967, por melhor edição de som e melhor montagem.

Palco De Tragédias

Acidentes e fatalidades acompanharam Monza desde pequenino. Nele, ainda em 1928, um acidente fatal encerrou a vida de Emilio Materassi, um importante piloto italiano, natural de Mugello, que competia ao lado de lendas com sobrenomes eternizados hoje, como Giulio Masetti e Enzo Ferrari.

Carro de Emilio Materassi após o acidente. A primeira grande tragédia em Monza
A tragédia teve início na tentativa de ultrapassagem que Materassi fez sobre Giulio Foresti. Eles estavam a cerca de 200 Km/h quando uma leve alteração no traçado feito por Forest, que estava à frente, levou o Talbot 700 guiado por Materassi a tocar a roda dianteira na roda traseira do Bugatti guiado por Giulio Foresti. Descontrolado, o carro de Materassi voou sobre a platéia. Ele foi lançado para fora e bateu a cabeça numa mureta, mas chegou a levantar-se sozinho e até deu alguns passos, caindo logo em seguida e vindo a falecer por conta de forte hemorragia interna, sobretudo o derrame devido ao impacto forte na cabeça.

Dezenas de espectadores foram atingidos pelo carro de Emilio Materassi, que avançou sobre uma valeta de proteção e passou por cima da mureta e a cerca de proteção, uma estrutura com algo em torno de 4 metros de altura. Vinte pessoas morreram instantaneamente, outras mais de vinte foram socorridas, muitas em estado grave.

De certo modo, naquela ocasião o circuito já indicava o quanto era arriscado liberar pilotos para acelerar infinitamente em ovais.

Os Traços do Passado

É possível enxergar partes do antigo circuito oval ao olhar atrevés de alguns pontos do circuito misto atual no Autódromo. No mapa, olhando de cima, os dois se sobrepõem claramente, mas na pista atual só em alguns trechos é possível ver alguns traços das grandes curvas e guard rails do velho Monza Oval.

Na imagem acima, 4 pontos foram marcados e abaixo estão imagens com a visão da pista atual onde detalhes do oval estão ainda visíveis.
Ponto A
A esquerda da imagem está a atual curva Parabólica, que traz os carros para a reta dos boxes. E a direita é possível ver a saída de uma das curvas do circuito oval que desembocava na mesma reta. Note que, seguindo a certa além da área de escape, velhos guard rails meio enferrujados adentram a floresta.
Ponto B
Ao chegar no final da reta, na entrada da chicane é possível observar em meio às arquibancadas o trajeto da enorme curva inclinada do circuito oval. Destacado na imagem acima na faixa central em cores naturais, em contraste com o tom azulado.
Ponto C
Mais uma imagem de dentro da chicane, onde é visível o trecho do Oval. Destacado com cores reais em contraste com os tons azulados.
Ponto D
Uma das melhores vistas que se tem hoje da pista antiga quando estamos assistindo corridas pela TV em Monza é esta, do viaduto sobre a reta que segue por trás do circuito. Acima dele dá pra ter uma noção exata da inclinação do curvão do circuito oval, parece uma parede passando entre as árvores na floresta.

Agora para sentir o que era dar uma volta em Monza de pé embaixo num charutinho no meio dos anos 60, só assistindo a este vídeo no Youtube, provavelmente um trecho do filme Gran Prix, de 1966.

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