Votos Inseguros
Escrito por William Santos | sábado, 29 de dezembro de 2012 | 20:59
Propaganda agressiva por décadas nos leva a acreditar em um sistema frágil e arcaico de votação eletrônica. Presos na primeira geração de equipamentos usados em eleições, estamos arriscando nosso futuro em máquinas frágeis e falhas. Sem a possibilidade de auditar resultados de eleições, o Brasil é o único país no mundo onde eleitores não sabem o que ocorre com seu próprio voto após acionar um botão na urna. Nenhum registro físico do voto é guardado como backup, para caso o sistema eletrônico falhe, ou seja manipulado. Vítimas do autoritarismo da justiça e envolvidos por campanhas pesadas em torno da segurança da urna eletrônica brasileira, estamos sob grande risco.
A propaganda do TSE sobre a urna eletrônica brasileira fala que somos exemplo pro resto do mundo. Mas se você pesquisar verá que o único país que usa o modelo de urna com a mesma tecnologia que a nossa é a Índia. Isto te faz supor duas coisas: Ou nossa urna eletrônica é ruim pra zaralho, ou as outras nações no globo estão tão atrasadas tecnologicamente em relação a nós que até hoje não sabem como construir uma urna eletrônica tão sofisticada e segura. É nesta segunda dedução que o TSE deseja que você acredite. Então considere o seguinte: além de nós, só a Índia, e não os EUA, ou a Alemanha, ou ainda o Japão, nem mesmo a Coréia, muito menos a China, usa este modelo de urna. Então, nós e os indianos somos os mais phodões do planeta quando o assunto é urna eletrônica segura, certo? Acredite no que você quiser, mas tire suas conclusões a partir de dados reais, e não da propaganda do TSE.
Gerações
É bom saber que, ao contrário do que parece pelas propagandas que vemos sobre nosso sistema eleitoral eletrônico, não somos, junto com a Índia, as únicas duas nações a ter um sistema destes em atividade a cada eleição. Nos EUA também se faz eleições com urnas eletrônicas, na Venezuela e na Argentina os cidadãos votam por meio de urnas eletrônicas. Quando o Brasil implantou o sistema de votação através do voto eletrônico, diversos países enviaram técnicos e representantes para ver como nos saiamos com tal tecnologia, que na Índia já era experimentada desde 1990, e na Holanda, em 1991 também foram feitos experimentos. Boa parte voltou para seus países e determinaram que o que estávamos fazendo aqui não era interessante, ainda. O atraso na difusão do sistema de votação eletrônico em diversos lugares se deve a isto: cautela. Então as urnas eletrônicas evoluíram, melhorias foram implantadas e elas avançaram 3 gerações, até serem adotadas por diversos países. Mas não se anime com isto, pois as urnas de segunda e terceira geração nunca foram usadas aqui.
Sim, estamos com as mesmas urnas de 1996. Na prática é isto, urnas que usam a mesma base tecnológica de quase 20 anos atrás. E que na época de seu “lançamento”, foi considerada incapaz de assegurar uma eleição segura em diversos países. Por isso o Brasil se manteve praticamente solitário como país onde as eleições eram feitas em urnas eletrônicas por vários anos. Estas urnas só chegaram a alguns países recentemente, quando a terceira geração foi lançada, com aperfeiçoamentos gigantescos, principalmente em relação às nossas de primeira geração. Neste meio tempo fomos ultrapassados por todos os países que adoram eleições por meio desta ferramenta digital, até mesmo a Índia, onde ainda se faz eleição com urnas com a mesma tecnologia que a nossa – primeira geração – já está realizando a transição para as urnas de segunda geração.
Questão de opção
Evoluir para a segunda geração ou direto para a terceira geração de urnas eletrônicas, seria simples, não fosse, segundo alguns especialistas no assunto, pela insistência do TSE em manter-se na primeira geração. A sugestão de adotarmos urnas de segunda geração teria sido rejeitada através de manobras no judiciário. O argumento principal para recusar as urnas de segunda geração está no registro impresso do voto, que permite auditoria após as eleições, caso algum problema seja registrado. O tribunal desconfia de que tal registro impresso possa fragilizar o sigilo do voto.
Sem auditoria
A impossibilidade de auditoria é o Calcanhar de Aquiles de nossas urnas atuais, da primeira geração. A segunda geração de urnas eletrônicas imprime o voto e o deposita em uma urna física após a confirmação do eleitor. Ou seja: você vota, como sempre votou na urna que conhece, mas precisa confirmar duas vezes. Na primeira confirmação ela imprime seu voto e você o confere no visor da impressora. Se estiver de acordo com o voto realizado na tela, então faz-se a segunda confirmação, que marca o voto como válido e ele é depositado imediata e automaticamente na urna física. Caso contrário, o voto é marcado como inválido pelo próprio eleitor e é descartado numa futura auditoria.
Em certos países onde estas urnas foram adotadas, a contagem dos votos se dá de forma eletrônica, agilizando o processo de apuração e o tornando tão rápido quanto o nosso. Mas em seguida uma auditoria abre as urnas físicas e verifica, em uma apuração paralela, se um determinado percentual dos votos impressos bate com a apuração eletrônica. Em alguns dias a auditoria publica o resultado, confirmando a validade da eleição e excluindo qualquer chance de falhas ou erros, seja nos registros dos votos eletrônicos, ou na contagem dos mesmos. Um fato curioso sobre as urnas de segunda geração é que ela foi posta em prática pela primeira vez na Venezuela, como uma imposição da OEA sob o temor de que o Hugo Chavez usasse parte do seu poder para manipular eleições, corrompendo sistemas de urnas eletrônicas de primeira geração.
A Argentina tem um sistema de votação elogiável
A terceira geração de urnas eletrônicas é o mais próximo da perfeição que se pode chegar atualmente. Na Argentina elas já estrearam e apresentaram ao mundo uma eleição onde o eleitor podia votar da forma como bem entendesse, conferir o voto eletrônico, voltar atrás se achasse necessário e ter certeza de que o voto foi registrado exatamente como ele votou.
Usando telas de mais de vinte polegadas, com tecnologia touch screen, o eleitor votava pelo nome do candidato na tela, tocando sobre a foto (em cores) do candidato, na logomarca do partido, ou de qualquer forma, sem a necessidade de decorar, ou anotar, vários números para digitar. Além disso, não precisava seguir uma (para muitos ainda complicada) sequencia exata durante a votação. Ele poderia votar na ordem que bem entendesse, para presidente e deputado, ou vice versa, tanto faz. Tudo isto simplifica o processo de votação e torna fácil a compreensão do eleitor sobre como está sendo seu voto.
O eleitor recebe, no início da votação uma cédula em forma de cartão que insere na máquina para começar a votar. Ao concluir seu voto, ele o retira da máquina, contendo o seu voto registrado num chip e também impresso no verso da cédula. O eleitor precisa depositá-la depois numa urna física, mas antes pode passar o cartão num sensor de verificação que lhe mostra o resumo de seus votos gravados naquele chip. Ele confere tudo e, se algo estiver errado, ou se ele se arrepender, basta que rasgue o cartão neste momento. Em seguida ele receberá outro cartão do mesário para ir votar novamente. Só após confirmar que seu voto eletrônico, registrado no chip e impresso no verso do cartão cartão pela urna eletrônica, é o que ele realmente realizou, então o argentino deposita o cartão com o chip na urna física. Este ato, de depositar o cartão na urna, faz com que a urna eletrônica valide e encerre o processo de votação daquele eleitor, impedindo que ocorra duplicação de votos.
A urna eletrônica argentina tem os registros digitais de cada voto. Estes registros são usados para agilizar o processo de apuração, como feito aqui no Brasil. Mas se for necessário uma auditoria, os votos impressos são consultados, e os chips, onde foram gravados os votos eletrônicos idênticos aos registrados pela urna digitalmente, usados na apuração eletrônica, apontarão exatamente onde ocorreu alguma falha, caso haja incoerência entre as duas apurações, e servirão para apurar fraudes ou eventuais problemas.
No Brasil, coisas bizarras acontecem
Não é de hoje que surgem casos onde há suspeitas sobre apuração de votos e até mesmo registros incoerentes nas urnas pelo Brasil a fora. A realidade, infelizmente, não é nada animadora quando buscamos por processos de apuração destes casos. Na real, ao que parece é que os tribunais depositam uma confiança irracional sobre os aparelhos adotados no Brasil e rejeitam analisar a fundo qualquer denúncia, ou suspeita de fraudes ou falhas.
De acordo com uma entrevista do engenheiro Amílcar Brunazo Filho publicada no Youtube [você pode assistir ao vídeo no final deste post], num dos casos, em 2006 um candidato de Alagoas tentou acionar o tribunal após ter constatado problemas na contagem, de acordo com arquivos de log das urnas, entregues aos partidos justamente para que observem e ajudem o tribunal eleitoral a identificar falhas. Mas o candidato acabou sendo obrigado a desistir da ação, pois o tribunal exigiu que ele arcasse com os custos da auditoria, desembolsando R$ 2 milhões para isto. E ainda o condenou posteriormente por ter entrado com o recurso pedindo a verificação sobre o resultado e não ter aceitado pagar pela auditoria. A postura do tribunal pode parecer absurda, mas entenda que entrar com processo no TSE questionando falhas nas eleições envolve acusar o próprio TSE, que é o administrador das eleições, de falha. O tribunal é o administrador e ao mesmo tempo aquele que julga. Portanto, na prática não há como questioná-lo.
Urnas defeituosas
O defeito nas urnas foi constatado não só em Alagoas no ano de 2006. No Maranhão, no mesmo ano, as urnas apresentaram problemas parecidos com os ocorridos no estado de Alagoas. Isto colocou em xeque a confiabilidade das urnas. O TSE teria recolhido 6 mil unidades na ocasião e as deixou de fora de eleições seguintes, enquanto o processo de verificação rolava. Porém, nos EUA, onde o mesmo fabricante das urnas brasileiras, a empresa Diebold, fornecia urnas para eleições em diversos estados, falhas semelhantes também já haviam sido constatadas. Estas falhas levaram os EUA a banirem as urnas fornecidas por este fabricante por lá. Mas no Brasil, o TSE retirou as urnas que estavam envolvidas na suspeita de falhas, e encomendou outras milhares de urnas do mesmo fabricante para substituí-las.
Ou seja: defeitos que levam a punição do fabricante nos EUA, aqui no Brasil premiam o fabricante com encomendas milionárias.
Testes de integridade? Só sob controle
Todos vimos que o TSE convocou diversos “hackers” para tentarem invadir o sistema da urna brasileira, mas poucos sabem que o tal teste, onde as urnas se mostraram invioláveis, na real esteve sob rigoroso controle do próprio tribunal. Os “hackers” convidados não puderam usar ferramentas próprias, tiveram que tentar a invasão com softwares comerciais e licenciados, realizando ataques apenas em áreas pre determinadas pelo tribunal. Enfim, é como se cada hacker tivesse recebido um manual sobre o que fazer nas tentativas de invasão para [não] conseguir invadir a urna. Assim, terminados os testes, a propaganda do TSE foi divulgada com o máximo de orgulho afirmando que a urna brasileira era a mais segura do universo.
Sendo uma máquina de votar de primeira geração, a urna usada no Brasil, por si só, não pode garantir de forma alguma a segurança do voto. Em todos os países que realizam eleições por meio de urnas eletrônicas e realizam testes de invasão nas máquinas, sempre há sucesso, mesmo em máquinas modernas, de segunda e terceira gerações, hackers testando-as de forma livre conseguem invadir os sistemas. Mas estas máquinas de gerações posteriores possuem mecanismos que possibilitam a auditoria, checando se seus sistemas se mantiveram íntegros ou não durante a eleição. E caso algum indício de fraude ou falha seja levantado, o voto impresso permite chegar ao resultado real das eleições.
Na Alemanha é inconstitucional
Os alemães verificaram que sua constituição já torna as urnas de primeira geração ilegais. Isto porque ela não permitem averiguar a contagem dos votos por qualquer cidadão. Ou seja, ela não possibilita auditoria. E não é o único país a agir assim. Aqui do lado, no Paraguai, nossas urnas foram usadas, emprestadas pelo TSE, num teste realizado durante uma eleição. No fim, o Paraguai decidiu abolir o uso destas máquinas por lá, e hoje caminha para a adoção de urnas de segunda geração. Na Holanda, o segundo país a experimentar voto eletrônico, ainda em 1991, as máquinas de primeira geração, como a usada no Brasil, estão proibidas desde 2008, também por ser impossível auditar seu funcionamento.
Para acreditarmos que temos o melhor sistema eleitoral do planeta é preciso muita propaganda e bastante comodismo. Não é apenas um caso de urnas velhas e ultrapassadas, mas também de falta de todo um sistema melhor estruturado. Só no Brasil a justiça é quem executa o processo, analisa e julga. A justiça eleitoral brasileira, por melhor que seja e por mais que se esforça em sua função, acumula responsabilidades demais e acaba causando insegurança. Mas estas questões só poderão ser resolvidas um dia quando reformas profundas, incluindo a reforma política, ocorrer no Brasil. Porém, sabemos que estamos distantes de reformas deste tipo.
Para se aprofundar melhor no assunto, seguem sugestões:
Este vídeo, de 1h20min, traz uma entrevista do engenheiro Amílcar Brunazo Filho a respeito de questões levantadas neste post. Ele foi a principal inspiração para todo o texto acima.
O site Voto Seguro [Em: http://www.votoseguro.org/ ] contém muitos dados também a respeito de tudo relacionado a voto eletrônico.
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