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Anular voto: O mito e as consequências

Escrito por William Santos | domingo, 19 de agosto de 2012 | 21:50

Campanha esclarecedora sobre voto nulo rolando nas redes

sociais. Ao contrário do que se imagina, anular voto não
anula uma eleição. A confusão ocorre por conta
de uma má interpretação da legislação eleitoral
Todo mundo está puto com a classe política. Eu também estou. E eu sempre deixo minha opinião, com clareza, expondo meus protestos. Cheguei a acreditar que um grande movimento, com votos nulos, poderia dar uma lição da canalhada da política. Parece uma boa ideia. Mas, na real, as coisas não funcionam assim como parecem. Em política, a abstenção eleitoral tem um efeito desastroso. Neste post eu mostrarei como os votos nulos ajudam a promover exatamente o pior tipo de político (entre os péssimos que já temos).

Exemplo em casa

Em 2000 ocorreram eleições municipais em Bayeux, aqui onde moro, assim como em todo o país. Lembro muito bem daquela eleição onde o prefeito em exercício pretendia reeleger-se. Por outro lado, um grupo, com interesse de se utilizarem do poder municipal para promover um deputado no local, brigava pela disputa da prefeitura. Neste intricado jogo do poder existiu de tudo ao longo da campanha, menos debates sérios sobre os problemas da cidade e propostas decentes que nós, cidadãos, pudéssemos avaliar.

Ao longo da campanha grana e poder inundaram as ruas com carreatas barulhentas, festanças em comícios enormes patrocinados por ambos os lados na disputa e baixarias eleitoreiras que entorpeciam a mente das pessoas no local. A cidade estava em segundo plano. Qualquer candidato que estivesse na disputa entre os dois grandes grupos estava condenado a não ter voz diante de duas gigantescas estruturas de campanha que dominavam tudo nas ruas e na mídia.

Lógico que a briga ficou feia. A partir das primeiras pesquisas, com a proximidade e o domínio de ambos os grupos, os golpes baixos ficaram cada vez mais baixos e atos ilícitos começaram a entrar nas jogadas. Em muitos casos, irregularidades em campanha eram sequer disfarçadas. A parcela do eleitorado mais consciente, indisposta a aceitar jogo sujo na política e percebendo o que acontecia tinha motivos de sobra para, movidos pela revolta, absterem-se de votar.

A dificuldade em enxergar um candidato apagado na campanha, sem recursos suficientes para promover um centésimo da barulheira toda feita pelos dois grandes grupos, levava uma parcela equivalente a quase um terço do eleitorado a simplesmente desistir daquela eleição. Fizemos aquilo por protesto? Talvez tenha sido mais por comodismo do que protesto, mas alguns que acreditavam estarem protestando não estavam cientes de que na verdade estariam contribuindo para o sucesso de crimes eleitorais dentro da cidade.

A compra de votos acontecia de todas as formas imagináveis. Do lado que tinha a máquina pública em mãos, ela chegou a envolver isenções de impostos. E isto levaria o prefeito eleito a uma condenação judicial que, quase dois anos depois, culminou com a cassação de mandato.

E que o comércio de votos garantiu

Não seria suficiente para garantir a eleição de nenhum grupo, tenho convicção disto. As campanhas brutais, despejando grana em grandes eventos e ofuscando debates sérios, neutralizando qualquer outro candidato que ousasse se colocar entre ambos, precisou ser combinada com as infrações eleitorais para dar pouco mais de um terço do eleitorado. A maior parte daqueles que votavam o faziam simplesmente porque não conseguiam enxergar nada a não ser os dois grupos. Nem todos que depositaram votos em qualquer dos lados estavam confiantes. Mas a indisposição em procurar um candidato que não fossem aqueles dois representantes de imoralidades, interesseiros comprometidos com a promoção de grupos estaduais e não com Bayeux, levou muitas pessoas a apenas aceitar o que estava diante delas.

Além destes que sucumbiram sem pensar direito no que estavam fazendo, uma parcela mais, digamos, radical, resolveu protestar usando a arma mais divulgada entre quem já não suporta mais esta política imunda. Estes simplesmente abstiveram-se da votação. Votaram em branco, nulo ou simplesmente não compareceram na hora do voto. Graças a esta abstenção do eleitorado, os piores candidatos selaram seu domínio na votação.

Em números, o saldo final foi de quase 15 mil eleitores que não aceitaram aquela campanha, anulando o voto de alguma forma. Outros pouco mais de mil ainda tiveram a competência de votar no terceiro candidato, que não conseguia vencer a barulheira eleitoreira promovida na campanha dos dois grupos. Arredondando para 16 mil o número de eleitores que poderiam, ao invés de anular seus votos, votar naquele candidato 'pequeno' seria o bastante para posicionar uma terceira força política entre os dois grupos. Mas não foi o que aconteceu naquelas eleições.

O saldo final de tudo isto

O candidato eleito foi condenado pela justiça eleitoral por compra de votos e perdeu o mandato. A sua sucessora, com quem havia disputado aquela campanha imoral de 2000, chegou ao poder graças a ter ficado na segunda colocação praticamente empatada na votação. Nos dois anos em que ela governou a cidade diversas outras irregularidades foram apontadas pela CGU envolvendo seu mandato e até hoje ela responde a processos em tribunais, sendo recentemente condenada pelo TCU por problemas em uma prestação de contas.

Dos 61 mil eleitores, 15 mil "protestaram", votando nulo. Outros milhares se acomodaram e deram votos a qualquer dos lados sem avaliar e sem procurar o terceiro candidato. Mesmo que aquele terceiro candidato não fosse um bom nome, caso os 15 mil eleitores que anularam o voto tivessem direcionado o seu protesto a votar nele e muitos dos que não estavam plenamente confiantes nos dois grupões observassem a possibilidade de votar na terceira opção, provavelmente após a justiça fazer seu papel tirando um corruptor de eleitores do poder, o cargo não seria herdado por uma prefeita capaz de envolver a cidade em escândalos administrativos. Bastavam cinco mil votos, somados aos nulos, para que Bayeux não caísse nestes abismos administrativos. Na pior das hipóteses, teríamos um novo cenário político, mesmo que as coisas não melhorassem imediatamente.

Portanto, pense bem antes de anular seu voto pois ao retirar-se de uma eleição você está deixando o campo livre para que os piores políticos dominem o cenário. Em seguida você será vítima de tudo isto. Bayeux paga caro por isto até os dias de hoje. A crença dos dois grupos sobre o poder que possuem é tamanha que ambos continuam se colocando na disputa cientes de que o cidadão bayeense é incapaz de enxergar alternativas e sempre vai aderir a eles, ou anular votos (que não interessam a eles mesmo).

Faça um pouco de esforço, participe do processo eleitoral, estude os candidatos, principalmente aqueles mais apagados nas campanhas (vá até eles, busque-os. Geralmente são os mais acessíveis, fáceis de conversar), e foque seu protesto naquilo que é visível diante das urnas. O voto nulo não é contabilizado, não anula eleição, como muitos imaginam e sequer é considerado como voto. Isto mesmo, anular, deixar de votar ou votar em branco são a mesma coisa. Equivalem simplesmente a não votar. Se dois péssimos candidatos disputarem apenas 10% do eleitorado, vão achar ótimo! Se 90% do eleitorado está insatisfeito com eles, não os aceita, não quer vê-los no poder, para eles é melhor que estes 90% votem nulo mesmo, pois assim eles tem menos trabalho para atingir seus objetivos e ninguém mais conseguirá se intrometer entre seus jogos para desbancá-los.

Lembrem-se, as consequências de não participar de uma eleição você sofre diariamente. Se concorda que algo precisa ser mudado, participe e leve seu voto mais à sério.
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