Já foi pior. Houve uma época em que o brasileiro tinha quase nenhuma opção. Canais abertos são terríveis, mas é o que chega à maioria das antenas. Anos atrás, os canais abertos tinham ainda mais força para ocupar o espaço de mídia entre os brasileiros. E ali, entre as piores produções, tinha-se de tudo: Tragédias eram exploradas até a última gota de sangue, bundas estavam nos programas de auditórios em finais de semana, todo o tipo de vulgaridade -- mesmo para quem não é dado ao puritanismo -- se tornava assunto principal nas telas, debatido por pessoas de mentes vazias propagando tolices com toda pompa. Hoje podemos dizer que se a TV continua como antes, não é mais tão grave, pois o acesso a outras mídias está ocupando cada vez mais o espaço da TV. Francamente, nem sei como anda a programação, acredito que possa até ter descido ainda mais o nível, pois na guerra por uma audiência, que a cada ano é menor em todos os canais, deve fazer com que as apelações se intensifiquem. O fato é que não estamos mais diante da TV, não importa mais.
Felizmente o modelo de transmissão de TV no Brasil, que copia o norte-americano, não é o único no mundo. Existem lugares onde os canais não são financiados apenas por publicidade e não precisam se preocupar unicamente em ter telespectadores diante da tela para atrair capital. Nestes lugares, a exemplo da Inglaterra, quem compra um aparelho de TV paga uma pequena taxa pelo acesso ao sinal, isto financia os canais, que usam a publicidade como complemento. O que possibilita que cada canal trabalhe sem a pressão de conseguir telespectadores a todo custo. Com isto, os ingleses acostumaram-se a programação de alta qualidade na TV. Alta qualidade se compararmos a nós, claro. Mesmo assim, ainda nos dias de hoje, vez por outra algum canal tem ideias infelizes por lá. É o caso do Channel 5 com uma série que mescla reality show com documentário. Intitulado de Battlefield Recovery, o programa é feito por uma produtora independente que colocou entusiastas da Segunda Guerra Mundial em busca de souvenirs oriundos das batalhas enterrados em solo europeu. Seria uma série pautada por arqueologia, mas ninguém na equipe é arqueólogo e este é só um dos problemas menores nesta história.
Arqueologia ou violação de túmulos? Arqueólogos questionam a produção de Battlefield Recovery |
Com amadores em campo, equipados com detectores e dispostos a tudo para encontrar artefatos enterrados e negociá-los, o programa propicia atrocidades e atos desrespeitosos, como violação de túmulos acompanhado de entusiasmos diante de restos mortais. O impacto disto diante da sociedade científica é extremamente negativo. Não, não é visto como divulgação do conhecimento. Está longe de ser um programa para envolver pessoas com fatos históricos e com ciência. É apenas apelação grotesca feita para ser vendida para TV e gerar um boa grana aos produtores.
A ideia nem é tão original. Anos atrás a National Geographic havia recebido uma proposta igual, com outro nome: Nazi War Diggers. Quase dois anos atrás, o canal tradicional no ramo de documentários cogitou colocar a produção no ar, mas voltou atrás diante de inúmeros protestos. O programa atual, que é uma releitura do fracasso anterior, foi oferecido a diversos canais que veiculam produções com a temática. Recentemente os produtores receberam outro não, desta do History Channel. Mas a proposta conseguiu ir adiante com o Channel 5 na Inglaterra, o que tem levado parte da comunidade científica, arqueólogos e telespectadores comuns, além de membros da mídia britânica, a protestarem contra a intenção de apoiar tal produção.
Mesmo assim o Channel 5 afirma que deve colocar o programa no ar. O canal considera que nenhum ato dos produtores tenha sido ilegal, e de fato não é questão de legalidade. Assim como aqui, o que é legal nem sempre é moralmente aceitável. Os produtores caminharam sobre túmulos e retiraram artefatos com o consenso de autoridades locais. É isto que os responsáveis pelo canal enxergam, apenas isto: Se não tem problema com as "autoridades", pode ir ao ar. Claro que falam em "profunda análise sobre as abordagens feitas no programa, blá, blá, blá..." Mas o fato é que reality shows do tipo tem dado audiência e este pode ser uma boa forma de atrair atenção para o canal. Olhemos pelo lado bom: Pelo menos os grandes, como History Channel e National Geographic, rejeitam tais ideias. Sem precisar apelar pela audiência, nem sobrevivendo exclusivamente com a grana de publicidade, estes canais podem se dar ao luxo de rejeitar propostas imorais, preservando o mínimo de qualidade em suas grades.
Fonte: The Guardian
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