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A Ficha Limpa dando os primeiros, grandes, passos

Escrito por William Santos | domingo, 5 de agosto de 2012 | 22:52

Embora em Bayeux a lei não tenha conseguido impedir um ex condenado pela justiça de se candidatar, ela está a caminho de indeferir a candidatura de uma ex prefeita com diversos processos. Para comemorar este sucesso (pela metade ainda) da lei, resolvi publicar sobre suas origens e outros mecanismos que a complementa, colocando em nossas mãos o poder para realizar uma limpeza mais detalhada.

Uma das imagens usadas para representar a campanha que
coletou 1,3 milhões de assinaturas pela implantação do projeto
de lei de iniciativa popular Ficha Limpa
A lei Ficha Limpa teve um período gestacional longo. Os primeiros passos para a criação do movimento que daria origem ao projeto de lei podem ser notados na segunda metade da década de 90. Em 1996, a CNBB, dando continuidade à Campanha da Fraternidade no Brasil, usa o tema "Fraternidade e Política". No ano seguinte, 1997, a Comissão Brasileira de Justiça e Paz, da própria CNBB, dá segmento ao assunto e instala a campanha "Combatendo a Corrupção Política". As bases para movimentos futuros abordando a moralização na política nacional estavam ganhando solidez.

Escolhas às cegas

Por todo este tempo, o cidadão brasileiro mais participativo politicamente tem esbarrado em inúmeras barreiras que costumam proteger informações sobre a índole de homens públicos. Desde uma mídia que costuma desvirtuar fatos importantes, impondo um ponto de vista carregado de interesses próprios, até os exageros burocráticos para acessar informação. Da mesma forma, a troca de informação entre os cidadãos sempre foi bastante limitada. A mídia não reproduz nada com fidelidade, sempre distorce alguma coisa em busca de manipular a sociedade de alguma forma, ou produzir polêmica e garantir vendas/audiência.

Escolher candidatos nunca foi tarefa fácil. Eleitores mais criteriosos não conseguem localizar pontos importantes sobre o currículo de um candidato durante a campanha. Peças publicitárias repetem futilidades durante meses. Brigas políticas lançam cortinas de fumaça sobre debates importantes. E, quando se vê, alguém já está eleito. Normalmente a ficha dos piores sujeitos só aparecem quando escândalos estouram, já tarde demais.

A esperança do brasileiro estava na justiça. Se um filtro judicial existisse, impedindo que ex condenados, processados e criminosos em geral chegassem a obter licença para entrar em campanha eleitoral, as coisas ficariam mais fáceis. Foi este um dos principais objetivos do projeto de lei. Compensando principalmente a falta de informação na hora da escolha, filtrando previamente maus políticos.

Em paralelo
Portal da transparência do projeto Excelências. Outra frente de batalha que se levanta contra políticos corruptos e criminosos em geral.
Enquanto movimentos para implantar leis que permitissem a justiça brasileira filtrar maus políticos se organizavam de um lado, em paralelo outros movimentos se engajavam em buscar informação e disponibilizá-las, facilitando o acesso. O portal da transparência da projeto Excelências é, até hoje, um representante desta ideia, um dos primeiros a tornar transparente os currículos, principalmente as fichas, de cada candidato e político no Brasil.

A ideia de transparência nas informações logo se expandiu para órgãos federais, e para a justiça, chegando a governos. Em pouco tempo o termo transparência se tornou moda. A Controladoria Geral da União lançou seu portal neste meio tempo e vem possibilitando que a população acesse dados diversos que vão de repasses federais por meio de convênios a resultado de auditorias em contas públicas. O acesso á informação se ampliou enquanto a busca por equipar a justiça de forma a bloquear corruptos crescia.

Um novo cidadão

Nada do que é relatado aqui seria possível há 20 anos atrás. Foi o surgimento de uma mídia aberta que permitiu a criação de mecanismos de divulgação e acesso às informações antes escondidas pelo controle da mídia e pela burocracia. Mas estamos apenas no início de um novo tempo. Somos ainda, em maioria, cidadãos de vinte anos atrás. Ainda há muita gente dependente do que a mídia tradicional expõe. Além do mais, boa parte de nós não se habituou a vasculhar currículos antes de decidir em quem confiar o voto. Nunca tivemos estas chances antes, não sabemos exatamente como fazer uso disto. Apenas sabemos que precisamos descobrir como fazer.

Como uma ideia virou lei

A AVAAZ, uma rede mundial que reúne ativistas em diversos países, criou sistemas online capazes de coletar assinaturas, realizando petições através da web. Este sistema teve uma grande importância no processo, permitindo difundir a ideia entre internautas que se engajaram nas redes sociais em busca de assinaturas para a petição que reforçava o apelo pela aprovação do projeto. Foi o Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral -- MCCE -- quem, em meados de 2002, engajou-se em busca de assinaturas por todo o país para obter de 1% do eleitorado brasileiro o apoio ao projeto de lei de iniciativa popular apelidado de Ficha Limpa. Com isto eles emplacariam o projeto e conseguiriam enviá-lo direto a Brasília com as 1,3 milhões de assinaturas que precisavam. A petição online também reuniu outras 1,6 milhões de assinaturas, chamou a atenção da mídia e mostrou aos parlamentares, senadores e presidente da república que estávamos de olho neles e queríamos muito aquilo aprovado.

Assim, nos dias 5 e 19 de Maio de 2010 o projeto de lei conseguiu aprovações tando na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal. A Presidência da República então sancionou a lei em 4 de Junho daquele mesmo ano. Um processo até rápido para nossos padrões.

Os ratos mostram o quanto são mais espertos

Os piores políticos sempre souberam como escapar da justiça pelas brechas na legislação. Embora a lei aprovada em 2010 tenha recebido o apoio de ministros do Supremo para imediata implantação, vários políticos com toneladas de processos e condenações nas costas enfrentaram-na. Alguns conseguiram passar por cima, outros se esgueiraram por baixo. O fato é que a lei não atinge plenamente seu objetivo.

Entre estratégias usadas por advogados e políticos há o argumento de que um político já condenado, que tenha sido punido, não pode novamente ser punido. Isto é uma distorção do objetivo da lei Ficha Limpa, que não visa uma punição secundária, mas um complemento para uma punição anterior. Tal qual um motorista que perde sua habilitação por cometer várias infrações, mesmo tendo pago todas as multas aplicadas em cada infração. Se considerar que cada multa foi uma punição, a perda da carteira seria uma segunda punição? Este é um exemplo básico e simples. Mas, o pior é que esta desculpa de que "já paguei e não posso pagar novamente" acaba colando nos tribunais.

Outros políticos são ainda mais ousados. Eles se confiam na acomodação do eleitorado e no seu poder dentro do processo eleitoral. Mesmo com várias negações às solicitações de candidatura eles insistem em se colocar como candidatos (empurram recursos, esticando o tempo dos processos até o fim da campanha). Eleitos, eles argumentam que nenhum tribunal pode negar a eles o direito a serem diplomados, uma vez que a população os elegeu.

Não é a lei Ficha Limpa sozinha quem vai garantir o fim da corrupção e a extinção de ratos na política. É uma combinação de novas tecnologias para acesso e divulgação de informação, junto com grandes movimentos para consolidar os objetivos da lei e, principalmente, uma nova cultura eleitoral entre os cidadãos num futuro próximo. O fato é que há um estreitamento apertando maus políticos. Se a justiça não for capaz de barrar candidatos com fichas sujas, a tendência é que o eleitor comece a agir no sentido de derrubar suas candidaturas, munido de informações e espaço para divulgação.
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